Ando com saudades de Curitiba. Que eu sinta falta da cidade onde moro e de onde n\u00e3o tiro o p\u00e9 h\u00e1 seis meses \u00e9 algo que preciso registrar.<\/p>\n\n\n\n
Tenho circulado um pouco, ou melhor, sempre que posso vou para a rua. Fa\u00e7o com entusiasmo tarefas que antes evitaria, como atravessar a cidade para comprar broinhas de fub\u00e1 no Juvev\u00ea, devolver o livro para a prima que mora no Boqueir\u00e3o, doar tampinhas para a ONG do Bairro Alto, comprar uma flor no orquid\u00e1rio do S\u00e3o Louren\u00e7o. Oba! L\u00e1 vou eu, feliz da vida, naquele percurso que poderia evitar e que me obriga a cruzar quatro bairros. \u00c9 uma saidinha, afinal.<\/p>\n\n\n\n
Mas \u00e9 de carro que fa\u00e7o isso tudo e passeio de carro… bem, voc\u00ea sabe, \u00e9 uma experi\u00eancia sensorial muito pobre. O cheiro que sinto \u00e9 o do meu Toyota e n\u00e3o o da rua. As coisas que vejo passam r\u00e1pido e sem detalhes. Das pessoas com quem cruzo s\u00f3 sei dizer se usam m\u00e1scara ou n\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n
Descobri a saudade alojada no meu peito quando parei na esquina da Jos\u00e9 Loureiro com a Doutor Muricy. Tinha acabado de sair do restaurante Pote Chopp, um her\u00f3i da resist\u00eancia gastron\u00f4mica, onde se pode comprar uma deliciosa l\u00edngua com pur\u00ea e ervilhas. Um amigo descobriu a iguaria na sua busca por variedade nas marmitas que encomenda e apaixonou-se. Parece que agora come l\u00edngua com pur\u00ea e ervilhas duas vezes por semana: na segunda, compra no Pote Chopp e na ter\u00e7a, no Maneko\u2019s. De tanto ouvir elogios ao prato, fui l\u00e1 no Centro buscar l\u00edngua para meu almo\u00e7o. Fui pessoalmente porque moro no Cascatinha e a entrega ficava t\u00e3o cara quanto a comida. Exagero… Fui porque queria ir. Porque como j\u00e1 disse, estou indo a qualquer lugar para sair de casa.<\/p>\n\n\n\n
Voltemos ent\u00e3o \u00e0 esquina da Jos\u00e9 Loureiro com a Muricy. Parei ali, o almo\u00e7o na sacola e a m\u00e1scara no rosto, para ver o movimento. O Centro continua o mesmo, apenas com mais portas fechadas e menos transeuntes. Os velhos pr\u00e9dios; os sujeitos nas portas, aos berros, me chamando para comprar roupa de inverno; alguns com\u00e9rcios que vi tantas vezes que chegam a me emocionar. Por exemplo, ali mesmo na Jos\u00e9 Loureiro, quase esquina com a Westphalen, est\u00e1 a panificadora Camponesa, que faz um \u00f3timo p\u00e3o d\u2019\u00e1gua e onde o propriet\u00e1rio, h\u00e1 muitos anos, me deixou comprar fiado mesmo sem me conhecer. Eu s\u00f3 com cart\u00e3o e ele sem maquininha. Parece pouco, mas me senti muito bem ao ser capaz de matar a fome mesmo sem poder pagar. O mundo ideal n\u00e3o seria assim?<\/p>\n\n\n\n
Dias atr\u00e1s voltei ao Centro s\u00f3 para ir \u00e0 Camponesa. Deixei o carro em um estacionamento a umas tr\u00eas quadras da panificadora e — oba! — caminhei na rua. Infelizmente n\u00e3o estava com fome e por isso n\u00e3o comi p\u00e3o com manteiga no balc\u00e3o. Levei o p\u00e3o d\u2019\u00e1gua para casa. Perguntei \u00e0 mo\u00e7a do caixa sobre aquele senhor que me atendia e fui informada que morreu h\u00e1 tr\u00eas anos. O nome dele era Ant\u00f4nio Garcia Matias, que descanse em paz e conte com minha eterna gratid\u00e3o. J\u00e1 no carro, belisquei o p\u00e3ozinho, tentadoramente quente, e… T\u00f3\u00f3im! Algo de bom ainda existe neste mundo tomado por inc\u00eandios, v\u00edrus e ignor\u00e2ncia! P\u00e3o d\u2019\u00e1gua da velha padaria no velho Centro da minha velha cidade. Velha tamb\u00e9m estou ficando eu, mas isso n\u00e3o tem nada a ver com o assunto desta coluna e por isso me despe\u00e7o por aqui.<\/p>\n\n\n\n
(Outubro de 2020)<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
Ando com saudades de Curitiba. Que eu sinta falta da cidade onde moro e de onde n\u00e3o tiro o p\u00e9 h\u00e1 seis meses \u00e9 algo que preciso registrar. Tenho circulado um pouco, ou melhor, sempre que posso vou para a rua. Fa\u00e7o com entusiasmo tarefas que antes evitaria, como atravessar a cidade para comprar broinhas […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[1],"tags":[100,102,67],"jetpack_featured_media_url":"","_links":{"self":[{"href":"http:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/324"}],"collection":[{"href":"http:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"http:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"http:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=324"}],"version-history":[{"count":1,"href":"http:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/324\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":325,"href":"http:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/324\/revisions\/325"}],"wp:attachment":[{"href":"http:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=324"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"http:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=324"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"http:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=324"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}