3 min de leitura

Cena 1 – Ócio

Era uma tarde, provavelmente em maio. Um dia de semana qualquer. O clima estava agradável. O parque estava quase vazio. Por ali não havia turistas. Ele é moderno, com jardinetes separados uns dos outros por cercas-vivas, cada um deles com muitas espécies de flores, todas de uma só cor. Havia o jardim branco, o jardim amarelo, o jardim roxo.  Depois de andar pra cá e pra lá, encontrei um gramado e deitei. Fechei os olhos e senti que ia adormecer. Que extravagância é dormir no gramado de um parque em pleno dia de semana! Acordei minutos depois. Me veio a consciência de que aquela soneca era um luxo que jamais esqueceria. Levantei e fui embora pisando em nuvens.

Cena 2 – Mistério

Em um cantinho da página do jornal, a lista das feiras de rua. Uma delas, em um lugar desconhecido, vendia livros usados. Recortei o jornal e, numa manhã de sábado, fui para a feira. Era modesta, tranquila. Folheei um livro de Jacques Prévert. Li alguns poemas. Se comprei o livro, o perdi. Não lembro dele. Mas quando lembro daquela manhã, lembro de Prévert. A memória faz dessas coisas, conexões inexplicáveis, um lugar e um cheiro, um cheiro e uma música. A lembrança de uma feira de livros se associou para sempre com um nome: Prévert. Muitos anos depois, comprei um exemplar de Dia de Folga, e sempre que o folheio tento voltar à feira. Mas não funciona. A feira me leva ao poeta, mas o poeta não me leva à feira.

Cena 3 – Felicidade

Jantamos na casa do amigo uruguaio. Alguém cozinhou, bebemos vinho. Éramos felizes por estar ali. Sabíamos que os dias eram especiais, que não nos preocupávamos com emprego, com a casa própria, com dinheiro. Estávamos em uma situação temporária e por isso o que tínhamos era bom: o quarto na Maison du Brésil, os vinhos baratos, o transporte coletivo. Logo, cada um de nós voltaria para seu país e então as preocupações recomeçariam. Mas ali, não. Viver cada dia. Depois do jantar, no caminho até o metrô, havia um carrossel. Subimos nos cavalinhos, adultos brincando como crianças, rindo bobamente. A torre Eiffel sobre nossas cabeças. Éramos felizes e sabíamos disso.

Cena 4 – Guerras

Havia na Rue du Fleurus uma sala onde voluntários esperavam pelos estrangeiros para conversar. O lugar era mantido por um padre. O estrangeiro entrava, era convidado a se sentar em torno de uma das mesas redondas e a conversar com quem estivesse ali. Assim podíamos melhorar nossa fluência no idioma. Uma tarde, o voluntário, um senhor aposentado, nos contava que foi feito prisioneiro durante a guerra. “Qual guerra?” – perguntou a mocinha palestina que estava no grupo. “A Segunda Guerra Mundial”, respondeu ele, rindo muito. “Não sou tão velho para ter vivido a Primeira.” Rimos todos e a mocinha palestina, cabelos curtos e grandes olhos escuros, ficou desconcertada. Depois me dei conta de que para ela a palavra guerra fazia lembrar tantos outros conflitos. Estávamos ali nos esforçando para falar a mesma língua e não nos lembrávamos que o mundo podia ser tão diferente para cada um de nós.