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\"\"<\/figure><\/div>\n\n\n\n

Dizem que a filosofia da S\u00e9tima Gera\u00e7\u00e3o nasceu entre os \u00edndios iroqueses, a na\u00e7\u00e3o que ocupava a parte nordeste do territ\u00f3rio norte-americano, que vai do Canad\u00e1 at\u00e9 aproximadamente o estado da Virginia. Outros grupos nativos tamb\u00e9m adotaram a filosofia da S\u00e9tima Gera\u00e7\u00e3o, que se resume a um princ\u00edpio: toda decis\u00e3o que uma comunidade toma deve levar em conta seus efeitos sobre sete gera\u00e7\u00f5es. Ou seja, n\u00e3o basta resolver um problema que hoje aflige a n\u00f3s (a gera\u00e7\u00e3o n\u00famero um); \u00e9 preciso avaliar o impacto dos nossos atos sobre a vida de nossos filhos, de nossos netos, bisnetos, nossos trinetos, nossos tataranetos e sobre a vida dos filhos de nossos tataranetos — a rigor s\u00e3o os pentanetos, mas vamos deixar essa palavra de lado porque ningu\u00e9m a usa. <\/p>\n\n\n\n

Se ningu\u00e9m a usa \u00e9 porque nunca pensamos nessa gera\u00e7\u00e3o que est\u00e1 muito longe de n\u00f3s. <\/p>\n\n\n\n

Isso mostra a sutiliza da filosofia dos iroqueses. Com ela fica estabelecido que precisamos levar em conta o bem-estar n\u00e3o s\u00f3 dos descendentes que conhecemos e dos que ouvir\u00e3o falar de n\u00f3s, mas avan\u00e7ar uma gera\u00e7\u00e3o, o que demanda uma considera\u00e7\u00e3o que vai al\u00e9m dos la\u00e7os sangu\u00edneos. \u00c9 um conceito estendido de descend\u00eancia, como se inclu\u00edssimos no nosso grupo familiar ou no nosso cl\u00e3 pessoas que nunca saber\u00e3o da nossa exist\u00eancia, que em suas preces n\u00e3o dir\u00e3o nossos nomes, mas que viver\u00e3o as consequ\u00eancias de nossas vidas. <\/p>\n\n\n\n

Os nativos americanos, como a maioria dos povos antigos, valorizavam a rela\u00e7\u00e3o com os ancestrais. Segundo esse racioc\u00ednio ningu\u00e9m est\u00e1 sozinho no presente ou, colocado de outra forma, ningu\u00e9m est\u00e1 imune aos frutos e as sequelas gerados pelas viv\u00eancias de seus antepassados. Por isso h\u00e1 tantos rituais para honrar e at\u00e9 apaziguar os que vieram antes de n\u00f3s. Esses rituais continuam presentes entre os \u00edndios brasileiros, no candombl\u00e9, nos costumes japoneses, na pr\u00e1tica da constela\u00e7\u00e3o familiar, para citar alguns exemplos pr\u00f3ximos de n\u00f3s.<\/p>\n\n\n\n

Note que os dois pensamentos se complementam: o homem e a mulher que vivem hoje se reconhecem como deposit\u00e1rios das repercuss\u00f5es dos atos dos que vieram antes e, ao mesmo tempo, como respons\u00e1veis pela qualidade de vida das gera\u00e7\u00f5es que v\u00eam depois. <\/p>\n\n\n\n

No caso da filosotofia da S\u00e9tima Gera\u00e7\u00e3o, essa responsabilidade \u00e9 estendida at\u00e9 onde os la\u00e7os de sangue perdem a for\u00e7a. Est\u00e1 claro, portanto, que falamos de valorizar n\u00e3o s\u00f3 nossa fam\u00edlia \u2013 o que a maioria de n\u00f3s faz instintivamente –, mas a grande fam\u00edlia humana da qual fazemos parte.<\/p>\n\n\n\n

Um pequeno exerc\u00edcio de imagina\u00e7\u00e3o e podemos imaginar o impacto que a aplica\u00e7\u00e3o dessa filosofia da S\u00e9tima Gera\u00e7\u00e3o teria em termos pol\u00edticos e ambientais sobre uma comunidade ou pa\u00eds que a adotasse. Boa parte das posturas adotadas e das medidas tomadas na vida pol\u00edtica e nos governos teria que ser descartada porque comprometem o bem-estar das futuras gera\u00e7\u00f5es. A gest\u00e3o dos recursos naturais seria outra, de longo prazo, com cuidado para n\u00e3o tirar mais da natureza do que o realmente necess\u00e1rio \u2013 e esse necess\u00e1rio teria que ser revisto j\u00e1 que os mesmos recursos t\u00eam que estar dispon\u00edveis para seis gera\u00e7\u00f5es que v\u00eam depois de n\u00f3s.
Pensar nos que v\u00eam depois cria naturalmente um equil\u00edbrio de longa dura\u00e7\u00e3o.<\/p>\n\n\n\n

No caso espec\u00edfico do Brasil, somos claramente bons em pensar nos que v\u00eam depois, por\u00e9m em outro contexto. O \u201cbrasileiro cordial\u201d \u00e9 aquele que age em favor dos filhos e talvez dos netos. Mas apenas dos seus filhos e dos seus netos em contraposi\u00e7\u00e3o \u00e0 ideia de que se deve pensar na gera\u00e7\u00e3o dos nossos filhos e na gera\u00e7\u00e3o dos nossos netos. Colocar as necessidades individuais da nossa prole acima do bem estar da comunidade gera desrespeito aos recursos p\u00fablicos e aos recursos naturais (por que manter uma floresta intacta se a madeira pode bancar a boa vida do meu filho em Miami?). \u00c9 fascinante imaginar o que mudaria se lev\u00e1ssemos em conta sete gera\u00e7\u00f5es em tudo o que fazemos. <\/p>\n\n\n\n

\n\n\n\n

Durante algum tempo escrevi obitu\u00e1rios e convivi com a confus\u00e3o que h\u00e1 em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s palavras trineto e tataraneto. \u00c9 comum o filho do bisneto ser chamado de tataranato. Sempre que um familiar me dizia que o falecido tinha um tataraneto, na verdade se referia ao trineto. Por alguma raz\u00e3o, o trisav\u00f4 e o trineto desapareceram da \u00e1rvore geneal\u00f3gica brasileira, como se v\u00ea na can\u00e7\u00e3o \u201cParatodos\u201d, de Chico Buarque de Holanda: \u201cO meu pai era paulista \/ Meu av\u00f4, pernambucano \/ O meu bisav\u00f4, mineiro \/Meu tatarav\u00f4, baiano.\u201d
\nPara mais clareza, preferi \u201cressuscitar\u201d o trineto neste texto.
\n(Gazeta do Povo, 18 de maio de 2019)<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Dizem que a filosofia da S\u00e9tima Gera\u00e7\u00e3o nasceu entre os \u00edndios iroqueses, a na\u00e7\u00e3o que ocupava a parte nordeste do territ\u00f3rio norte-americano, que vai do Canad\u00e1 at\u00e9 aproximadamente o estado da Virginia. Outros grupos nativos tamb\u00e9m adotaram a filosofia da S\u00e9tima Gera\u00e7\u00e3o, que se resume a um princ\u00edpio: toda decis\u00e3o que uma comunidade toma deve […]<\/p>\n","protected":false},"author":1,"featured_media":22,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":[],"categories":[1],"tags":[],"jetpack_featured_media_url":"https:\/\/marlethsilva.com\/wp-content\/uploads\/2019\/10\/aos-filhos-dos-nossos.jpg","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/108"}],"collection":[{"href":"https:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=108"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/108\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":109,"href":"https:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/108\/revisions\/109"}],"wp:featuredmedia":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/media\/22"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=108"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=108"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/marlethsilva.com\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=108"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}